Um
processo de segmentação social pode envolver uma complexidade um tanto quanto nebulosa,
haja vista uma apertada interseção entre o campo moral e o técnico, ou
vice-versa.
O que se espera de um homoerótico que trabalhe numa lanchonete, por exemplo? Que seja eficiente, que sirva os seus clientes, mas que também não dê azo a trejeitos espalhafatosos, sobretudo com famílias compostas de crianças pequenas.
É certo que as crianças têm como norte figuras de destaque em determinadas áreas de atuação, e decerto que o ser humano é por sua natureza imitativo. Então, é natural que uma família prefira não dar saliência a homoeróticos a sua prole, pois necessário represar o espiritual do naturalístico.
Por outro lado, podem haver segmentações
injustas, isto é, que não
guardam correlação lógica com o supramencionado comportamento, tendo em vista o
comando de “amor aos inimigos”.
E o que significa o «amor aos inimigos» segundo a exegese
católica? Santo Afonso Liguori nos explica:
“Falando per se, ninguém é
obrigado a amar o inimigo por um ato positivo e peculiar, nem a saudá-lo, a
falar-lhe, a visitá-lo se enfermo, a consolá-lo se aflito, nem a recolhê-lo em
uma habitação, ou a tratar familiarmente com ele, etc., porque estes são sinais
especiais de amor. Digo
falando per se, porque se a omissão fosse escandalosa ou se por algumas destas
coisas fosse possível sem incômodo reconciliar o inimigo consigo e com Deus,
omití-las seria grave. Assim também o seria se uma pessoa desigual costumasse
antecipar-se a outra através de uma saudação, como é o caso de um súdito ao seu
prelado. Assim o afirma Laymann. Também este seria o caso se antes havia o costume
exibir sinais peculiares ao inimigo, conforme a posição de Continuator
Tournely, que a sustenta juntamente com Suarez, Bonacina e vários outros. Não
se é obrigado a isto, porém, com grave incômodo, desde que removida a
possibilidade de escândalo.
Não é lícito também excluir o
inimigo das orações comuns, por exemplo, a oração do Pai Nosso, e aquelas que
são instituídas em favor da comunidade, nem das esmolas comuns, das respostas às saudações,
das respostas às perguntas, da venda das mercadorias expostas, porque todas
estas coisas são sinais comuns de amor. Por isto agir contra isto,
como por exemplo, convidar todos os parentes, ou todos os conhecidos das
vizinhanças ou do colégio e saudá-los como de costume, excluindo somente ao
inimigo, é regularmente em seu gênero pecado mortal. Assim o afirmam Santo
Tomás de Aquino, Navarro e Laymann. Eu acrescento, porém, em seu
gênero, porque se a leveza da matéria ou uma causa racional o desculpasse, por
exemplo, se um pai ou um superior subtraísse por algum tempo estas coisas por
motivo de correção a um filho ou a um súdito, tornar-se-ia matéria leve ou
mesmo nenhum pecado, porque estas pessoas estão investidas do direito de punir.
Acrescento também o regularmente, porque se uma pessoa muito maior não responde
a uma saudação do inferior, por exemplo, um nobre a um rústico, o pai ao filho,
não parece ser mortal, conforme o notam Sá e Bonacina. Veja-se também, quanto a
isto, os textos de Azor.”
Interpretando o ensinamento acima, podemos dele extrair as seguintes conclusões: (1) «não é lícito» excluir o pecador público, inclusive o «homoerótico» de sinais comuns de amor. Isto na prática significa que quaisquer condutas de segmentação deslocadas do «eixo erótico» são pecaminosas. Isto porque o fundamento do Estado para o catolicismo não é representar o monopólio da força, mas do amor. Não do «amor livre» dos hippies reivindicado pelos próprios homoeróticos, que na prática significa luxúria, mas o cáritas, que consiste no pleno cumprimento dos Dez Mandamentos (cf. Rm. 13, 10). Transplantando-se tais razões à prática da justiça, isto significa que não devem ser negados quaisquer direitos de cidadania ou imposta qualquer medida mais gravosa aos «homoeróticos» em suas demais situações fáticas. Assim, por exemplo, seria arbitrário deixar de cumprimentar um «homoerótico», ou negar vender pão, cobrar preços mais caros em produtos, ou tributos mais elevados simplesmente pelo status «homoerótico». Não haveria aí uma correlação lógica entre suas condutas específicas a justificar uma tal segmentação, portanto;
(2) porém, Santo Afonso Liguori destaca que a exibição de sinais especiais de amor não é obrigatória ao cristão, a menos se tal omissão fosse escandalosa. Isto significa na prática que a sociedade, mormente a sociedade cristã que é majoritária, não é obrigada a outorgar privilégios a quem for um pecador público.
Semelhantemente, uma sociedade majoritariamente cristã, pelo menos nominalmente, não pode ser emudecida por um coativo «politicamente correto» em virtude de oposição pacífica a sua agenda política.
Ora, a segmentação, uma vez abolida, faz parir o respeito humano, que não pode se subtrair às leis de Deus, pois as leis de Deus devem penetrar por todos os poros da sociedade.
O jurista Rizzatto Nunes delineou a teoria dos “papéis sociais”, que é assim resumida:
“Os papéis sociais podem ser, assim, definidos como repertórios formais de funções sociais – ações e comportamentos – preenchidos temporalmente por indivíduos.
Isso significa que, estando no papel, o indivíduo deve comportar-se de acordo com o figurino normativo para ele previsto. Para o comportamento socialmente adequado ao papel, basta agir como o esperado: todas as demais pessoas têm uma expectativa normativa de que o indivíduo, naquele papel vai comportar-se como se espera que se comporte.
(...)
A desvantagem está relacionada ao próprio indivíduo, à pessoa que existe ‘por detrás’ do papel: ela deixa de ser vista como tal. Apresenta-se, comunica-se e é cobrada a partir do papel por ela assumido.
(...)
É que, do ponto de vista da complexidade social, os papéis oferecidos à seleção são públicos e privados. O comportamento de um lado e a expectativa social – de todas as outras pessoas e papéis – de outro variam de acordo com o tipo de papel. Se é privado, a exigência pública é uma, digamos, mais liberal. Se é público, é outra, extremamente rigorosa em termos do controle das alternativas de ações e comportamentos possíveis.
(...)
Essa circunstância da somatória de papéis sociais é inelutável, uma vez que, como vimos, cada um de nós, pessoas reais, é um centro aglutinante de papéis sociais; um amálgama de papéis.” (NUNES, Rizzatto, Curso de Direito Consumidor, 8ª Ed. Saraiva, São Paulo, 2013, pp. 84-90)
Ora, em certas situações decerto há uma zona cinzenta para se definir o que seja um papel tipicamente privado ou público, já que alguns parecem espelhar uma simbiose de figurinos. Porém, mais uma vez é de bom tom que tenhamos em conta a razoabilidade da medida (bom senso).
Um exemplo marcante de que muitas das vezes se deve observar um processo de segmentação é o do magistrado que se funda no cargo para repelir intimidações por meio de “carteiradas”. Já tivemos exemplos no Estado do RJ de ações fiscalizatórias do DETRAN em que “o poste acabou mijando no cachorro”, de modo que agentes de autoridade devem ter a humildade de se curvarem ao império das leis.
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