sexta-feira, 22 de setembro de 2023

A morte do maior dos brasileiros

Antônio Vicente Mendes Maciel (Nova Vila de Campo Maior, 13 de março de 1830 — Canudos, 22 de setembro de 1897)

A TRAJETÓRIA DE SANTO ANTÔNIO CONSELHEIRO

Nada se sabe ao certo sobre o papel que coube a Vicente Mendes Maciel, pai de Antônio Vicente Mendes Maciel (o Conselheiro), nesta luta deplorável.  Os seus contemporâneos pintam-no como ‘homem irascível mas de excelente caráter, meio visionário e desconfiado, mas de tanta capacidade que sendo analfabeto negociava largamente em fazendas, trazendo tudo perfeitamente contado e medido de memória, sem mesmo ter escrita para os devedores’.

O filho, sob a disciplina de um pai de honradez proverbial e ríspido, teve educação que de algum modo o isolou da turbulência da família.  Indicam-no testemunhas de vista, ainda existentes, como adolescente tranqüilo e tímido, sem o entusiasmo feliz dos que seguem as primeiras escalas da vida; retraído, avesso à troça, raro deixando a casa de negócio do pai, em Quixeramobim, de todo entregue aos misteres de caixeiro consciencioso, deixando passar e desaparecer vazia a quadra triunfal dos vinte anos.  Todas as histórias, ou lendas entretecidas de exageros, segundo o hábito dos narradores do sertão, em que eram muita vez protagonistas os seus próprios parentes, eram-lhe entoadas em torno evidenciando-lhes sempre a coragem tradicional e rara. (...) O certo é que falecendo aquele em 1855, vinte anos depois dos trágicos sucessos que rememoramos, Antônio Maciel prosseguiu na mesma vida corretíssima e calma.

Arrostando com a tarefa de velar por três irmãs solteiras revelou abnegação rara.  Somente depois de as ter casado procurou, por sua vez, um enlace que lhe foi nefasto.

Data daí a sua existência dramática.  A mulher foi a sobrecarga adicionada à tremenda tara hereditária, que desequilibraria uma vida iniciada sob os melhores auspícios.

A partir de 1858 todos os seus atos denotam uma transformação de caráter.  Perde os hábitos sedentários.  Incompatibilidades de gênio com a esposa ou, o que é mais verossímil, a péssima índole desta, tornam instável a sua situação.

Em poucos anos vive em diversas vilas e povoados.  Adota diversas profissões.

Nesta agitação, porém, percebe-se a luta de um caráter que se não deixa abater.  Tendo ficado sem bens de fortuna, Antônio Maciel, nesta fase preparatória de sua vida, a despeito das desordens do lar, ao chegar a qualquer nova sede de residência procura logo um emprego, um meio qualquer honesto, de subsistência.

(...)

Foge-lhe a mulher, em Ipu, raptada por um policial.  Foi o desfecho.  Fulminado de vergonha, o infeliz procura o recesso dos sertões, paragens desconhecidas, onde lhe não saibam o nome; o abrigo da absoluta obscuridade.

Desce para o sul do Ceará.

Ao passar em Paus Brancos, na estrada do Crato, fere com ímpeto de alucinado, à noite, um parente que o hospedara.  Fazem-se breves inquirições policiais, tolhidas logo pela própria vítima reconhecendo a não culpabilidade do agressor.  Salva-se da prisão.  Prossegue depois para o sul, à toa, na direção do Crato.  E desaparece..

(...)

... E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até os ombros, barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado ao clássico bastão, em que se apóia o passo tardo dos peregrinos...

(...)

Aparecia por aqueles lugares sem destino fixo, errante.  Nada referia sobre o passado.  Praticava em frases breves e raros monossílabos.  Andava sem rumo certo, de um pouso para outro, indiferente à vida e aos perigos, alimentando-se mal e ocasionalmente, dormindo ao relento à beira dos caminhos, numa pertinência demorada e rude...

(...)

Dos sertões de Pernambuco passou aos de Sergipe, aparecendo na cidade de Itabaiana em 1874.

Ali chegou, como em toda a parte, desconhecido e suspeito, impressionando pelos trajes esquisitos – camisolão azul, sem cintura; chapéu de abas largas, derrubadas; e sandálias.  Às costas um surrão de couro em que trazia papel, pena e tinta, a Missão abreviada e as Horas marianas.

Vivia de esmolas das quais recusava qualquer excesso, pedindo apenas o sustento de cada dia.  Procurava os pousos solitários.  Não aceitava leito algum, além de uma tábua nua e, na falta desta, o chão duro.

Assim pervagou largo tempo, até aparecer nos sertões, ao norte da Bahia.  Ia-lhe crescendo o prestígio.  Já não seguia só.  Encalçavam-no na rota desnorteada os primeiros fiéis.  Não os chamara.  Chegavam-lhe espontâneos, felizes por atravessarem com ele os mesmos dias de provações e misérias.

(CUNHA, Euclides da, “Os Sertões”, Abril Cultural, 1982, pp. 121-124)

A Última Prédica

Praza aos céus que abundantes frutos produzam os conselhos que tendes ouvido; que ventura para vós se assim o praticardes; podeis entretanto estar certos de que a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa luz e força, permanecerá em vosso espírito: Ele vos defenderá das misérias deste mundo; um dia alcançareis o prêmio que o Senhor tem preparado (se converterdes sinceramente para Ele) que é a glória eterna.

Como não ficarei plenamente satisfeito sabendo da vossa conversão, por mim tão ardentemente desejada. Outra cousa, porém, não é de esperar de vós à vista do fervor e animação com que tendes concorrido para ouvirdes a palavra de Deus, o que é uma prova que atesta o vosso zelo religioso. Antes de fazer-vos a minha despedida, peço-vos perdão se nos conselhos vos tenho ofendido. Conquanto em algumas ocasiões proferisse palavras excessivamente rígidas, combatendo a maldita república, repreendendo os vícios e movendo o coração ao santo temor e amor de Deus, todavia não concebam que eu nutrisse o mínimo desejo de macular a vossa reputação. Sim, o desejo que tenho da vossa salvação (que fala mais alto do que tudo quanto eu pudesse aqui deduzir) me forçou a proceder daquela maneira. Se porém se acham ressentidos de mim, peço-vos que me perdoeis pelo amor de Deus. É chegado o momento para me despedir de vós; que pena, que sentimento tão vivo ocasiona esta despedida em minha alma, à vista do modo benévolo, generoso e caridoso com que me tendes tratado, penhorando-me assim bastantemente! São estes os testemunhos que me fazem compreender quanto domina em vossos corações tão belo sentimento! Adeus povo, adeus aves, adeus árvores, adeus campos, aceitai a minha despedida, que bem demonstra as gratas recordações que levo de vós, que jamais se apagarão da lembrança deste peregrino, que aspira ansiosamente a vossa salvação e o bem da Igreja. Praza aos céus que tão ardente desejo seja correspondido com aquela conversão sincera que tanto deve cativar o vosso afeto.”

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Batismo de desejo: origem e abandono no pensamento de Santo Agostinho

https://catholicism.org/baptism-of-desire-its-origin-and-abandonment-in-the-thought-of-saint-augustine.html 

ABR 28, 2011 BRIAN KELLY

Pereça o pensamento de que uma pessoa predestinada à vida eterna poderia ser autorizada a terminar esta vida sem o sacramento do mediador. (Santo Agostinho)

Este artigo se concentrará na questão do batismo explícito do desejo — como foi entendido pela maioria dos doutores ocidentais da Igreja desde a época de Santo Agostinho (+430) até Santo Afonso Maria de Ligório (+1787), o último doutor teológico declarado que escreveu a favor de sua eficácia salvadora.  O assunto tratará especificamente da origem da especulação teológica, como dado por Santo Agostinho em uma de suas primeiras cartas doutrinárias, e depois passará a provar a partir de testemunhos confiáveis que o doutor africano reverteu sua opinião em seus escritos antipelagianos posteriores.

Ide vós, pregai o Evangelho a toda criatura e batizai

Desejo prefaciar o seguinte com uma afirmação da extrema importância desta questão, na medida em que a conversão dos não-cristãos à fé católica, nos nossos dias, já não é considerada uma missão necessária para a sua salvação.  O comando de nosso Salvador de "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura.  Aquele que crê e é batizado, será salvo, mas aquele que não crê será condenado" (Marcos 16:15-16), foi suplantado por um novo evangelho de salvação pela sinceridade através da ignorância invencível.  É minha intenção restaurar pelo menos um apreço pelo zelo dos santos missionários que saíram para converter as nações a Cristo e batizar os pagãos e infiéis que aceitaram a boa nova que é o Evangelho.  Esses missionários, cujo exemplo desde o século XVI é São Francisco Xavier, não se distraíram com qualquer especulação sobre um batismo de desejo.  Xavier batizou várias centenas de milhares de pagãos com sua própria mão.  Biógrafos escrevem que havia tantos catecúmenos esperando para serem batizados que os assistentes tiveram que ajudá-lo a levantar o braço para realizar o rito. São Francisco Xavier nunca escreveu uma palavra sobre o batismo de desejo.  Em vez disso, ele escreveu estas palavras do Extremo Oriente na esperança de alcançar os estudantes aspirantes a diplomas: "Como eu gostaria de ir às universidades de Paris e da Sorbonne e dirigir-me a muitos homens que são mais ricos em aprendizado do que em zelo, para que eles conheçam o grande número de almas que, por causa de sua negligência,  são privados da graça e estão aptos a ir para o inferno.  Há milhões de não crentes que se tornariam cristãos se houvesse missionários."  Esse missionário, considerado o maior depois de São Paulo, estava mal informado?

Extra ecclesiam nulla salus não pode significar o que diz! Esta Doutrina é Dura Demais! Quem pode ouvi-la?

Entre os católicos tradicionais que se opõem à causa doutrinária do Saint Benedict Center, a grande maioria sustenta que sua oposição é sobre a rejeição do Padre Feeney ao batismo do desejo.  Nem sempre foi assim, mas tornou-se mais nos últimos vinte a trinta anos.  Antes disso, era a própria doutrina definida, “Nenhuma salvação fora da Igreja”, que perturbava aqueles a quem o irmão Francisco, em seu tratado “O Dogma da Fé Defendida”, chamava de "liberais de direita".  Estes são os teólogos que acreditavam na autoridade infalível da Igreja, mas estavam envergonhados com o sentido literal da doutrina.  "Deus é todo misericordioso", enfatizaram, "a maioria dos homens, certamente, será salva".

Em seus esforços para drenar o dogma três vezes definido de seu sentido literal, esses teólogos excessivamente otimistas insistiam que o dogma precisava ser "interpretado" de acordo com o sentido do magistério ordinário vivo de nosso tempo.  Até mesmo o arcebispo Marcel Lefebvre, postulou que o que extra ecclesiam nulla salus realmente significava era que não há salvação sem a Igreja:

"A doutrina da Igreja também reconhece o batismo implícito de desejo. Isso consiste em fazer a vontade de Deus. Deus conhece todos os homens e sabe que entre protestantes, muçulmanos, budistas e em toda a humanidade há homens de boa vontade. Eles recebem a graça do batismo sem saber, mas de maneira eficaz. Desta forma, tornam-se parte da Igreja. O erro consiste em pensar que eles são salvos por sua religião. Eles são salvos em sua religião, mas não por ela.  . . ." (Carta Aberta aos Católicos Confusos)

Depois, também, há aqueles teólogos (principalmente ligados à SSPX) que insistem que o que extra ecclesiam nulla salus realmente significa é que a única coisa necessária para a salvação é morrer no estado de graça, e esse renascimento não se limita para sua realização aos meios visíveis de graça fornecidos pela Igreja visível porque Deus, dizem eles, não está vinculado por Seus sacramentos. (Abordarei esta última opinião no final deste artigo, onde abordo brevemente o ensinamento do Concílio de Trento sobre a justificação.)

Essas reformulações do dogma foram ainda mais evisceradas por elementos mais liberais para uma redação desprovida de qualquer desafio: "Ninguém pode ser salvo fora da Igreja Católica que saiba que a Igreja Católica é a verdadeira Igreja, mas se recuse a entrar nela". Muitos sacerdotes e teólogos tiram esta inferência, com ou sem razão, de uma passagem da Constituição do Vaticano II sobre a Igreja, Lumen Gentium: "Aqueles que, sem culpa própria, não conhecem o evangelho de Cristo ou da sua Igreja, mas que, no entanto, procuram a Deus com um coração sincero e, movidos pela graça, tentam em suas ações fazer a sua vontade como a conhecem através dos ditames de sua consciência – esses também podem alcançar salvação eterna" (#16).

Assim, a classe de pessoas que não podem ser salvas, se morrerem no mau estado em que se encontram, foi reduzida ao raro e dificilmente identificável conjunto de obstinantes que sabem que a Igreja Católica é a verdadeira Igreja, mas se recusam a entrar nela.  A crença na possibilidade de salvação para aqueles que morrem apenas com um desejo implícito de batismo e para aqueles que morrem invencivelmente ignorantes das verdades necessárias para serem acreditados para a salvação, agora é capaz de acomodar todos aqueles que são sinceros em suas crenças errôneas e tentam viver o que uma boa vida significa para eles.

O que devemos fazer então, como membros da Igreja Militante? Fornecer uma almofada mais suave àqueles que estão fora da Igreja, inventando brechas para a doutrina da salvação; Ou melhor, não deveríamos afirmar o claro ensinamento infalível, usando quaisquer palavras que pareçam apropriadas para a ocasião, para não darmos falsas esperanças ao próximo? Não consigo pensar em maior ofensa à caridade do que dizer a um não-católico que ele pode ser salvo sem se converter à verdadeira Igreja e/ou sem ser batizado.  Em recente Ad Rem, de 16 de março de 2011, o Irmão André tratou deste tema da verdadeira caridade e da nossa obrigação de desafiar aqueles que estão fora da Igreja, com quaisquer dons de nobre persuasão que tenhamos, a entrar na única Arca da Salvação.

Antes de apresentar os pontos teológicos que se seguem, que podem parecer em alguns lugares excessivamente acadêmicos, quero enfatizar o que o Padre Feeney e o Irmão Francisco enfatizaram repetidamente: Deus está no comando. Ele é todo-poderoso e todo misericordioso. É Ele, por meio de Seu Filho, o Verbo, que "ilumina todos os homens que vêm a este mundo" (João 1:19) e que "fará com que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1Tm 2.4).  Esta é a Sua santa vontade e, com esta vontade paterna, é dada graça suficiente a todos os homens para serem salvos.

"Eis que a mão do Senhor não é abreviada para que não possa salvar, nem o seu ouvido pesado para que não possa ouvir" (Isaías 59:1).

São Paulo diz o mesmo na sua Carta aos Efésios que outrora foram idólatras e que agora viviam à luz do Evangelho: «A todos nós é dada a graça, segundo a medida da dádiva de Cristo» (4, 2).

O irmão Francisco foi inspirado a dizer assim no final da década de 1940 com seu desafiador artigo "Teologia Sentimental":

A Igreja Católica não proclama a salvação exclusiva de uma raça ou de uma classe de pessoas, mas convida cada homem à grande alegria de estar unido a Cristo na comunhão dos santos.

A verdade católica não é uma história triste pela qual precisamos nos desculpar; é uma proclamação da maior boa nova que poderia ser contada.  Por mais severa que seja a sua mensagem, ela ainda é a única esperança no mundo.  Só o amor e a segurança podem se dar ao luxo de ser severos.  Quando dizemos que fora da Igreja não há salvação, estamos também e ao mesmo tempo anunciando que dentro da Igreja há salvação.  O mundo já conhece a parte triste da nossa história, porque o mundo não encontra salvação no mundo.  A Igreja não precisa dizer aos incrédulos que eles estão em pecado e em desespero; eles sabem disso no fundo de seus corações. O que é novo para o mundo na história cristã é que, através de Maria, as portas do céu se abrem, e que somos convidados a nos tornarmos irmãos de Jesus no Reino Eterno de Deus.  Esta não é uma história que possa ser contada com a voz moderada e hesitante da teologia sentimental.

Batismo de Desejo

Batismo de desejo é a crença de que um catecúmeno, ou um crente não batizado que aguarda o batismo, poderia ser salvo se morresse inesperadamente antes de receber o sacramento, desde que tivesse um desejo ardente de ser batizado, juntamente com a verdadeira Fé e perfeita tristeza por seus pecados.  Dois pais são comumente oferecidos como autoridades que propuseram essa crença: Santo Agostinho e Ambrósio. Escreverei primeiro sobre Santo Agostinho, depois Santo Ambrósio e, por último, São Bernardo, que levantou a questão novamente no século XII, citando os dois primeiros padres como autoridades. Depois disso, voltarei a Santo Agostinho para fornecer a evidência de que ele se retratou de sua especulação outrora sustentada sobre o batismo de desejo.

Primeira especulação de Santo Agostinho

É em um de seus sete livros que escreveu contra os donatistas que encontramos Agostinho especulando pela primeira vez sobre essa questão. Ele pegou a caneta pela primeira vez para refutar os donatistas, em seu cisma e heresia, em 391, após sua ordenação como sacerdote e antes de ser consagrado bispo.  Assim, a seguinte citação é de seus primeiros dias como teólogo católico, talvez logo após sua consagração episcopal: "Para que o lugar do batismo às vezes possa ser seguramente tomado pelo sofrimento, o Beato Cipriano não toma como prova nenhuma as palavras dirigidas ao ladrão que não foi batizado.  . . . Ao considerar o que repetidamente, verifico que não só o sofrimento pelo Nome de Cristo pode compensar a falta de batismo, mas também a fé e a conversão do coração, se acontecer que a falta de tempo impeça a celebração do sacramento do batismo". E, algumas frases mais tarde no mesmo livro, "O batismo é ministrado invisivelmente a alguém que não despreza a religião, mas a morte exclui". (Sobre o Batismo, Contra os Donatistas, Bk. IV, Cap. 22, Rouet de Journel, Enchiridion Patristicum # 1630)

Logo no início de seus escritos, Agostinho deu grande ênfase ao poder natural da vontade sob a influência de graças reais, mas, até então, sem ajuda da graça santificante.  Mais tarde, em sua batalha contra os pelagianos, ele colocou toda a ênfase na graça, que nenhum homem pode merecer.  Mesmo o mais virtuoso dos crentes não batizados, ele argumentaria mais tarde, não poderia merecer o dom da graça que vem com o sacramento.  Deus chamará a quem quiser.  Mais sobre isso mais adiante.  Por enquanto, gostaria de citar Agostinho, o Teólogo, de Eugene Teselle, onde o autor faz uma visão muito reveladora que poderia explicar por que o doutor africano favoreceu um batismo no desejo, pelo menos em um ponto após sua conversão: "Agostinho afirma que nada está mais dentro do poder da vontade do que a própria vontade,  para que quem deseja amar justa e honrosamente, possa alcançá-lo simplesmente desejando-o; o velle já é o habere." (Teselle cita De Libero Arbitrio, de Agostinho. I, 12, 26, & 13, 29 como fonte para sua afirmação.)

Opinião contrária de São Gregório Nazianzeno

São Gregório Nazianzeno, pai oriental e doutor da Igreja, escreveu em oposição a essa teorização sobre a eficácia do desejo de batismo de um catecúmeno.  Depois de demonstrar quatro estados diferentes de convicção possíveis em um catecúmeno, ele diz, a respeito do mais ardente deles, que eles não são dignos de punição nem glória, mas ainda assim estão perdidos.  Basta citar a sua conclusão quanto a estes últimos, em termos da eficácia salvífica da sua vontade:

"Se você fosse capaz de julgar um homem que pretende cometer assassinato apenas por sua intenção e sem qualquer ato de assassinato, então você também poderia considerar como batizado aquele que desejava o batismo.  Mas, já que você não pode fazer o primeiro, como você pode fazer o segundo? Se preferirem, colocaremos assim: Se, em sua opinião, o desejo tem o mesmo poder que o batismo real, então faça o mesmo julgamento em relação à glória.  Você então ficaria satisfeito em desejar glória, como se esse próprio anseio fosse glória.  Você sofre algum dano por não alcançar a glória real, desde que você tenha um desejo por ela? Não consigo ver!"  (Oração sobre a Luz Divina, XL, #23)

Quem quer que fosse que São Gregório estivesse disputando, sabemos que não poderia ter sido Santo Agostinho.  São Gregório morreu em 389, apenas dois anos após a conversão de Agostinho.

Mais sobre Santo Agostinho 

O que Santo Agostinho expressou sobre o batismo de desejo em seu tratado contra os donatistas não foi sua convicção quando escreveu seu comentário sobre o Evangelho de São João.  Nele, ele afirma que "não importa o progresso que um catecúmeno possa fazer, ele ainda carrega o fardo da iniquidade, e ele não é retirado até que ele tenha sido batizado". (Cap. 13, Tratado 7) Mais uma vez, o Padre Van Der Meer, em seu livro Agostinho, o Bispo, cita uma passagem semelhante do doutor: "Quantos patifes são salvos ao serem batizados em seus leitos de morte? E quantos catecúmenos sinceros morrem não batizados e se perdem para sempre" (Página 150). Note-se aqui que Agostinho não se referia aos catecúmenos hesitantes que presunçosamente adiavam seu batismo, mas aos "catecúmenos sinceros".

 

Além disso, quando Santo Agostinho especulou sobre o batismo de desejo, ele não ofereceu nenhuma autoridade para sua opinião, como fez com São Cipriano em favor do batismo de sangue.  Mas, a começar por São Bernardo, os doutores ocidentais que opinaram a favor do batismo de desejo costumam citar Santo Agostinho e Santo Ambrósio como suas autoridades.  São Tomás de Aquino é um exemplo perfeito.

O Ensinamento Atual de Santo Ambrósio sobre o Batismo

Parece que, pelo menos com Santo Ambrósio, deveria haver uma questão aqui, especialmente quando se considera seu escrito definitivo sobre o assunto.  O Padre Jacques Paul Migne (+ 1875) parece pensar assim.  Uma das grandes, senão a maior autoridade no ensino patrístico, não vê justificativa para esse otimismo nos escritos do Doutor de Milão: "Entre os padres católicos talvez ninguém insista mais do que Ambrósio na necessidade absoluta de receber o Batismo, em vários lugares, mas especialmente no Livro II De Abraão; Sermão 2 No Salmo.; e o livro De Mysteriis." (Migne, Patrologia Latina 16, 394, traduzido em Padres Nicenos, Vol. 10, p. 319) 

Escrevendo sobre o sacramento do batismo em seu livro, De Mysteriis, Ambrósio afirma: "Um é o Batismo que a Igreja administra: o Batismo da água e do Espírito Santo, com o qual os catecúmenos precisam ser batizados... O mistério da regeneração também não existe sem água, pois ‘a menos que um homem nasça de novo da água e do Espírito, ele não pode entrar no reino’. Ora, até o catecúmeno crê na cruz do Senhor Jesus, com a qual também se assina; mas, a menos que seja batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ele não pode receber a remissão de seus pecados nem o dom da graça espiritual." (4,4: 4,20 Patrologia Latina, 16, 394)

O Catecúmeno Imperial e a Eulogia

Santo Ambrósio foi o bispo a quem Santo Agostinho veio em busca de conhecimento, sob a inspiração da graça real, enquanto estudava em Milão. O santo bispo também o regenerou em Cristo.  Se Santo Ambrósio tivesse tal visão sobre o batismo de desejo, certamente Agostinho o teria citado como autoridade.  O que é oferecido por São Tomás (e São Bernardo implicitamente) como prova de que o Bispo de Milão acreditava no batismo do desejo é sua oração em 393 no funeral do jovem imperador Valentiniano II, que era catecúmeno, recém-convertido das influências arianas.

O imperador ocidental, na época de sua morte, estava lidando com uma rebelião dentro de suas fileiras liderada por um general pagão, chamado Eugênio, e Arbogast, o conde de Vienne.  Eugênio queria proibir o cristianismo no Ocidente e restaurar o paganismo romano.  Quando Valentiniano, através dos esforços de Teodósio, imperador católico do Oriente, pediu ao Bispo Ambrósio que viesse a Vienne e o batizasse, Eugênio se revoltou e mandou assassinar o imperador em seus aposentos.  Ambrósio ficou profundamente magoado e fez um elogio esperançoso no funeral, no qual comparou o falecido catecúmeno a um "mártir", morto pela fé e "batizado em seu próprio sangue".  Ele não disse nada sobre um batismo de desejo, mas apenas pediu aos fiéis que não se entristecessem com o fato de Valentiniano ter morrido antes que ele pudesse batizá-lo.  Em seguida, fez a pergunta: "Não obteve a graça que desejava? Ele não obteve o que pediu?" E conclui: "Certamente, porque ele pediu, ele conseguiu".  Isso poderia facilmente ser uma expressão de esperança de que, sabendo do perigo em que ele estava, o imperador pediu a alguém que o batizasse secretamente.  Ou também pode significar que o catecúmeno real recebeu a graça da salvação porque morreu mártir de Cristo.  Ambrósio, aparentemente, não tinha provas da suposição anterior, pois nunca a mencionou publicamente, mas tinha esperança de que a santa determinação de Valentiniano fosse a causa de sua morte por esse usurpador assassino que odiava a Fé.  E isso faz parte da qualificação para o martírio, juntamente com o verdadeiro arrependimento pelo pecado.  Foi o que rezou o santo ao terminar o elogio:

"Concedei, pois, ao teu servo o dom da tua graça, que ele nunca rejeitou, que na véspera da sua morte se recusou a restaurar os privilégios dos templos, embora tenha sido pressionado por aqueles a quem bem poderia ter temido.  Uma multidão de pagãos esteve presente, o Senado suplicou, mas ele não teve medo de desagradar aos homens, desde que te agradasse somente em Cristo.  Aquele que tinha o Teu Espírito, como não recebeu a Tua graça? Ou, se o fato vos perturba de que os mistérios não foram solenemente celebrados, então deveis perceber que nem mesmo os mártires são coroados se forem catecúmenos, pois não são coroados se não forem iniciados. Mas, se eles são lavados em seu próprio sangue, sua piedade também e seu desejo o lavaram." (De Consolatione in obitu Valentiniani, 51-54 - PL 16, 1374-75. Traduzido por Roy J. Deferrari, Ph.D., em Funeral Orations by St. Gregory Nazianzen and St. Ambrose, pp. 287-288)

A tradução não é o problema aqui.  As duas últimas frases, que parecem contraditórias, são exatamente precisas do latim da Patrologia Latina de Migne.  Na penúltima frase, Santo Ambrósio diz "que nem mesmo os mártires são coroados se forem catecúmenos, porque não são coroados se não forem iniciados". Ele quer dizer que eles são salvos, mas não coroados? Então, na última frase, ele diz que "se eles [mártires] são lavados em seu próprio sangue, sua piedade também e seu desejo o lavaram".  Não consigo entender o que o Santo Doutor está afirmando ou negando nessas frases.  Talvez algo esteja faltando na própria transcrição original.

O padre Joseph Pfeiffer, da SSPX, em seu artigo "Os Três Batismos" (O Angelus, março de 1998), afirma que Santo Agostinho ouviu o elogio de Valentiniano e, por isso, o doutor africano acreditava no batismo do desejo.

"Poder-se-ia pensar, no entanto", escreve o padre Pfeiffer, "lendo algumas das obras recentes dos seguidores do padre Feeney que a doutrina do batismo do desejo era tida como uma opinião obscura entre alguns teólogos e santos católicos equivocados – santos que erraram em deferência a São Tomé, que acreditavam na doutrina apenas em deferência a Santo Agostinho, que a segurou porque certa vez ouviu um sermão de Santo Ambrósio, "Sobre a morte de Valentiniano"... Devemos supor que o Sr. Hutchinson e os seguidores do P. Feeney tenham uma compreensão melhor de Ambrósio do que Agostinho, seu próprio discípulo, que foi batizado pelo mesmo Ambrósio?"

Quatro pontos rápidos: 1) Ninguém que apoiasse o Saint Benedict Center se arriscaria a supor que conheceria a mente de Santo Ambrósio melhor do que Santo Agostinho.  Isso é um absurdo. 2) Como já observei, se o Doutor de Milão pretendesse identificar-se com a especulação sobre o batismo do desejo, Agostinho teria citado sua autoridade, especialmente se, como supõe o padre Pfeiffer, ele fosse "seu discípulo". 3) Não há menção ao elogio de Santo Ambrósio a Valentiniano nos escritos de Santo Agostinho, nem há cartas de correspondência conhecidas entre eles. 4) Santo Agostinho começou seu trabalho contra os pelagianos após a morte de Santo Ambrósio (+397).  Mais uma vez, parece provável que, ao mudar sua opinião sobre o batismo de desejo ao confrontar o anti-sacramentalismo dos pelagianos, ele respeitosamente pelo menos teria feito referência à suposta visão contrária do Bispo Ambrósio.

Quem são as hostes de doutores antes de Aquino que ensinaram o batismo do desejo?

São Cipriano?

Desde o tempo de Santo Agostinho até o de São Bernardo (+1153), no século XII, não encontrei nenhum doutor da Igreja que afirmasse a crença no batismo do desejo. O padre Pfeiffer afirma em seu artigo que há "uma série de outros santos e doutores antes e depois de Aquino", que ensinaram o batismo do desejo. "Depois de Aquino?" Concedido. "Antes?" Com a retratação de Agostinho (texto integral fornecido mais adiante), não conheço outro que não seja São Bernardo.

O Rev. Padre Jean Marc Rulleau em seu livreto, Batismo do Desejo: Um Comentário Patrístico, tenta defender o mesmo ponto que o Padre Pfeiffer sobre a aprovação dos pais ao batismo de desejo, mas ele fornece apenas a mais frágil das evidências dos pais. Ele sustenta que São Cipriano (+258) acreditava no batismo de desejo - não para catecúmenos (Cipriano não levanta essa questão), mas para aqueles convertidos que ele pensava terem sido batizados invalidamente em uma seita herética.  A questão levantada por Cipriano foi a seguinte: se eles se convertessem e fossem recebidos na Igreja sem serem rebatizados, poderiam ser salvos? Ele acreditava que eles poderiam ser salvos.

Concordo com o padre Rulleau que essa opinião poderia ser traduzida num batismo de desejo.  De qualquer forma, o fato histórico é que São Cipriano se recusou a aceitar a correção do Papa Estêvão (incluindo a ameaça de excomunhão em caso de descumprimento) de seu ensinamento sobre a invalidade dos batismos em seitas heréticas que usavam a matéria e a forma corretas.  Ele chegou a convocar um concílio em Cartago em 256 para reunir o apoio de um sínodo de bispos africanos.  A decisão desse concílio, à qual Cipriano concordou, foi que a questão de rebatizar hereges convertidos era uma questão disciplinar reservada ao bispo local.  Nisso, ele tinha o que parece ser o apoio dos bispos católicos orientais que ele também havia solicitado.  Em uma carta que escreveu a um jubaiano, o Bispo de Cartago explicou que não faz leis para os outros, mas mantém sua própria liberdade. (Epp. lxx, lxxi, lxxii) Então, novamente, em uma carta posterior a Pompeu, a quem enviou sua obra, De Bono Patientiae, ele é virulento em seu ataque à ortodoxia do Papa Estêvão.  Pompeu pedira uma cópia do decreto de Estêvão. "Ao lê-lo", escreve Cipriano, "você notará seu erro cada vez mais claramente: ao aprovar o batismo de todas as heresias, ele amontoou em seu próprio peito os pecados de todas elas; uma bela tradição mesmo! Que cegueira da mente, que depravação!" (Ver a Enciclopédia Católica do Novo Advento de 1917 sobre São Cipriano).  No final, após o martírio de São Cipriano e sob o pontificado do Papa Sisto II, a Igreja em Cartago alinhou-se com o Papa.

Ponto é: se o bispo de Cartago estava errado na questão maior, falando e escrevendo em oposição ignorante à tradição apostólica (e, note-se, seguindo a opinião do herege Tertuliano sobre o assunto) e questionando a autoridade do papa, devemos sustentar que ele estava corretamente transmitindo o ensino tradicional sobre uma questão subsidiária relacionada ao erro original? Lendo a linguagem insultuosa que Cipriano emprega contra o papa em sua carta a Pompeu, pode-se entender por que Santo Agostinho, com grande respeito e prudência, diria mais de um século depois, em seu tratado De Baptismo, que o bispo Cipriano havia expiado seu "excesso" com seu martírio.

O padre François Laisney, em uma carta que me foi escrita em 1999 sobre esse assunto, trabalhou muito para me convencer de que São Cipriano favorecia o batismo do desejo.  Em relação aos hereges convertidos que foram recebidos de volta à Igreja pelos bispos ocidentais e pelo próprio chefe da Igreja sem serem rebatizados, ele provou seu ponto.  Mas esses convertidos estavam em uma categoria diferente dos catecúmenos – afinal, eles eram aceitos como membros da Igreja pelo papa, e o próprio Cipriano, pelo menos em concílio, não estava negando ao papa o direito de admitir esses convertidos sem rebatizá-los. Lembre-se, na carta anteriormente citada a Jubaianus, ele estava argumentando que essa decisão deveria ser deixada para cada bispo individualmente.  Sua argumentação, portanto, se olharmos para a lógica do argumento real e não seu excessivo vitriol, não era que o "depósito da fé" estava sendo comprometido pelo papa Estêvão, mas que, por uma questão de certeza, quando a validade dos batismos heréticos era questionável (como estava em sua mente) a questão recaiu sobre a disciplina.  Citando São Cipriano: "Deus é poderoso na sua misericórdia para dar perdão também àqueles que foram admitidos na Igreja na simplicidade [de coração] e que morreram na Igreja e não para os separar dos dons da Igreja" (Carta a Jubaianus, 23, Patrologia Latina 3, 1125).  Coloquei a ênfase em "morreram na Igreja" para provar meu ponto.  Se São Cipriano definitivamente acreditasse que a própria Fé estava sendo comprometida, e que aceitar a validade dos batismos heréticos era em si "herético", então ele não teria dito que os convertidos falecidos, que não foram rebatizados, "morreram na Igreja".  Se os padres Rulleau e Laisney quiserem acreditar que São Cipriano estava transmitindo uma tradição apostólica sobre o batismo do desejo, tudo bem; mas eles certamente não devem insistir que os irmãos católicos são obrigados a acreditar nisso.  Eles também devem tomar nota de que Santo Agostinho não citou Cipriano como uma autoridade quando propôs pela primeira vez o batismo de desejo como sua opinião pessoal.

Todos os Padres dos primeiros séculos favoreceram o batismo de desejo? Falso

Com apenas dois padres da Igreja (aparentemente assim, no caso de Santo Ambrósio) favorecendo o batismo de desejo para catecúmenos piedosos que morreram antes do batismo, o padre Rulleau afirma que "todos os Padres" dos "primeiros séculos" favoreceram o batismo de desejo. No entanto, em seu próprio tratado, ele cita vários, como Cirilo de Jerusalém, que "parecem" contrários ao batismo de desejo.  O padre François Laisney nem vai tão longe. Para ele, como expressou na carta que me escreveu em 1999, por mais que um pai insista em "nenhuma exceção, exceto mártires não batizados", a menos que rejeitem explicitamente o batismo de desejo, não se pode dizer que se opunham a ele. E mesmo que um pai se opusesse explicitamente, como fez São Gregório Nazianzeno, eles, padre Laisney e outros, não aceitarão a literalidade da rejeição.  Surpreende-me que, em seu tratado, o padre Rulleau não cite São Gregório Nazianzeno que, como você leu acima, não poderia ter sido mais específico em sua rejeição do batismo de desejo. O Saint Benedict Center forneceu essa citação em várias de suas publicações, mas só posso supor que o padre Rulleau não a conhecia ou a teria citado.  Eis o que Rulleau escreve em seu estudo:

"O martírio pode ser espiritual, no sentido de que a salvação pode ser alcançada por uma conversão puramente interior. Esse batismo de desejo compensa a falta do batismo sacramental. O batismo é assim recebido "in voto". A existência deste modo de salvação é uma verdade ensinada pelo Magistério da Igreja e mantida desde os primeiros séculos por todos os Padres.  Nenhum teólogo católico a contestou.  . . ."

Quod gratis asseritur, gratis negatur (O que é afirmado gratuitamente, é negado gratuitamente).  O batismo do desejo não foi "realizado desde os primeiros séculos por todos os Padres", nem é o ensinamento do "Magistério da Igreja".

As Cartas dos Papas Inocêncio II e Inocêncio III

A segunda argumentação, a respeito do Magistério, é tema de outro artigo.  Basta dizer que nenhum dos dois papas, Inocêncio II e Inocêncio III, que o padre Rulleau cita em favor do batismo do desejo, estava emitindo um decreto para a Igreja universal.  Eles escreveram cartas pessoais, invocando, sim, uma questão doutrinária, mas em resposta a duas questões disciplinares específicas.  A atribuída a Inocêncio II na Enchiridion de Denzinger, escrita ao bispo de Cremona, Itália, é atribuída antes a Inocêncio III em um livro de direito canônico, The Corpus of Canon Law, publicado em 1881 em Freidberg.  A questão envolvia oferecer missas a um padre falecido que, descobriu-se depois, não tinha registro de ter sido batizado.  O papa deu permissão para isso.  A outra carta, também atribuída a Inocêncio III, é tão teologicamente nova que eu realmente duvido que o próprio padre Rulleau a subscrevesse.  Acho incrível que um bispo faça a pergunta que é proposta, que era se um judeu que tentou batizar-se quando estava em perigo de morte deveria ou não ser "rebatizado" após sua recuperação da saúde?

Como é que um pastor presumivelmente educado da Igreja — afinal de contas, trata-se de um bispo — o bispo Berthold, da Alemanha, neste caso, poderia fazer tal pergunta? E a resposta do papa, como temos do Enchiridion, é mais do que problemática; sua gratuidade acrítica poderia ter levado outros judeus a fazerem o mesmo quando perto da morte, ou catecúmenos adiando o batismo até perto da morte e depois fazendo um autobatismo.  A carta atribuída ao papa Inocêncio diz que, se o judeu morresse após sua tentativa de autobatismo, ele teria "voado direto para o céu". É este o "ensinamento do Magistério" que o padre Rulleau está oferecendo em seu favor? Não vejo razão para que qualquer uma dessas cartas papais tenham sido incluídas na Enchiridion, de Denzinger, que originalmente pretendia ser, afinal, uma coleção de ensinamentos magisteriais supremos (publicado pela primeira vez com apenas 128 documentos em 1854); daí seu título completo, dado por seu compilador, Padre Heinrich Joseph Dominicus Denzinger: Enchiridion Symbolorum et Definitionum (Coleção de símbolos [i.e., credos] e definições).

Notemos, no entanto, a respeito de Inocêncio III, que São Tomás de Aquino teve que citar outro erro seu na Suma em que o papa demonstrou ter sustentado que Cristo consagrou por Seu poder divino sem palavras: "'Em boa calma, pode-se dizer que Cristo realizou este sacramento por Seu poder Divino e, posteriormente, expressou a forma sob a qual aqueles que vieram depois deveriam consagrar'. Mas em oposição a essa visão estão as palavras do Evangelho em que se diz que Cristo "abençoou", e essa bênção foi efetivada por certas palavras. Por conseguinte, essas palavras de Inocêncio devem ser consideradas como expressando uma opinião, em vez de determinar o ponto" (Summa, III, Q. 78, Art. 1, resposta à objeção 1).

O Livro das Sentenças e São Bernardo

Citando as autoridades dos Santos Agostinho e Ambrósio, o Batismo do desejo é promovido pelo bispo Pedro Lombardo em sua grande obra, escrita perto do final do século XII, Os Quatro Livros de Sentenças, cujo texto São Tomás estudou e comentou um século depois. (Livro IV, Parte II)  As Sentenças continuariam a ser o livro de teologia para todas as universidades católicas até que a Summa Theologica gradualmente a substituiu no século XVII.  Até então, por quase cinco séculos, era um requisito padrão para um diploma de teologia escrever um comentário das famosas Sentenças. Pedro Lombardo lecionara em Paris na Universidade Catedral de Notre Dame, mais ou menos na mesma época em que a Sorbonne estava sendo fundada.  Interessante a esse respeito é que Lombardo, o grande Mestre das Sentenças, estudou com Pedro Abelardo, que rejeitou a ideia de um batismo de desejo, e Hugo de São Victor, que optou em favor, antes de começar a lecionar em Paris.  Ambos foram renomados gigantes intelectuais do século XII: o segundo coroou sua perspicácia teológica com uma vida santa, enquanto o primeiro, um mestre dialético, foi atormentado por uma consciência arrependida durante boa parte de sua vida e, finalmente, foi levado a passar seus últimos dias como penitente no mosteiro de Cluny.

Em uma carta ao Mestre Hugo, que havia pedido sua opinião sobre a questão do batismo do desejo, São Bernardo de Claraval (+1153) também citou os dois pais, Ambrósio e Agostinho, como suas autoridades em favorecê-lo.  Mas ele claramente falou disso como uma questão de opinião:

"Apresentamos apenas as opiniões e palavras dos pais e não as nossas; porque não somos mais sábios do que nossos pais.  . . . Acreditem, será difícil separar-me destes dois pilares, pelos quais me refiro a Agostinho e Ambrósio. Confesso que, com eles, estou certo ou errado em acreditar que as pessoas podem ser salvas apenas pela fé e pelo desejo de receber o sacramento, mesmo que a morte prematura ou alguma força insuperável as impeçam de realizar seu desejo piedoso." (grifo meu)

Pedro Abelardo

Em sua Theologia Christiana, Pedro Abelardo rejeitou especificamente o batismo do desejo (2, Patrologia Latina 178, 1205), argumentando que a especulação sobre o assunto oferecida por Santo Ambrósio no elogio Valentiniano contradizia os pais.  Não esta, mas algumas outras proposições de Abelardo foram condenadas em 1141 no Concílio de Sens, que foi presidido por São Bernardo de Claraval.  E, embora Mestre Lombardo discordasse de Abelardo em várias de suas proposições, ele sempre o tinha em alta estima, e os Quatro Livros de Sentenças do primeiro foram fortemente influenciados pelo comentário bíblico do segundo, que se baseava fortemente no sentido literal, histórico e gramatical.  Quando se olha para esse cenário, parece provável que Hugo de São Victor tenha lido a rejeição específica de Abelardo ao batismo de desejo em sua Theologia Christiana, e, observando que seu amigo Pedro Lombardo estava ensinando a favor dele, ele foi solicitado a escrever a São Bernardo pedindo sua opinião.

A respeito de Abelardo e sua negação do batismo do desejo, não pude expressar nenhuma razão tão perspicaz e pungente quanto a do Dr. Robert Hickson: "A mente aguçada de Abelardo viu graves problemas e violações da Lei da Não-Contradição, SE alguém estivesse temerariamente tentando encontrar substitutos excepcionais para o Sacramento do Batismo no reino da 'Intenção' ou 'Desejo' ou no duvidoso,  se não presunçosa, 'esperança de Contrição PERFEITA' – não um fundamento muito bom ou certo para a obtenção de Vita Aeterna."

Outra coisa deve ser acrescentada a favor de Abelardo, que, seguindo o ensinamento de Santo Anselmo, discordou da opinião de Santo Agostinho de que a essência do pecado original herdado é a concupiscência da carne.  Anselmo ensinou que o pecado original não é a concupiscência, mas a ausência da justiça original; no entanto, por incrível que pareça, ele concordou com Agostinho que as crianças não-batizadas participariam dos castigos positivos do inferno da maneira mais mínima.  Abelardo aceitou o ensinamento de Anselmo sobre o pecado original ser a privação da graça santificante na concepção, mas ele rejeitou a ideia de punição positiva do sentido para aqueles que morrem apenas no pecado original; na verdade, ele foi um dos primeiros a fazê-lo, assim como São Tomás de Aquino um século depois.

A Enciclopédia Católica: "Depois de desfrutar de vários séculos de supremacia incontestável, o ensinamento de Santo Agostinho sobre o pecado original foi primeiro contestado com sucesso por Santo Anselmo, que sustentou que não era a concupiscência, mas a privação da justiça original, que constituía a essência do pecado herdado.  Sobre a questão especial, no entanto, da punição do pecado original após a morte, Santo Anselmo estava em sintonia com Santo Agostinho ao sustentar que as crianças não-batizadas participam dos sofrimentos positivos dos condenados; e Abelardo foi o primeiro a se rebelar contra a severidade da tradição agostiniana neste ponto" (Vol. 9, "Limbo", p. 257).

Manual Teológico do Século V: De Ecclesiasticis Dogmatibus 

Além dessas influências sobre os primeiros escoláticos de Paris, havia a questão, atual na época, quanto à autoria de um manual teológico do século V, que negava especificamente o batismo de desejo.  Era o De Ecclesiasticis Dogmatibus. No capítulo 74 encontramos a curiosa profissão: "Cremos que somente os batizados estão no caminho da salvação. Cremos que nenhum catecúmeno tem vida eterna, embora tenha morrido em boas obras, exceto o martírio, no qual estão contidos todos os elementos sagrados (sacramentos) do Batismo".  Acreditava-se, até o século XIII, que Santo Agostinho era o autor dessa obra teológica.  São Tomás (+1274) desafiou a crença em seu Comentário sobre o primeiro capítulo de Mateus (Catena Aurea). O Doutor Angélico negou a autoria de Agostinho, atribuindo a obra, antes, a um semipelagiano chamado Genádio de Marselha.  Mas, por outro lado, quando Pedro Lombardo estava compondo seu Livro de Sentenças, ele se referiu à obra como de Agostinho em vários lugares. (Lib. II, dist. 35, cap. "Quocirca"; III, dist. 1, cap. "Diligente"; Lib IV, dist. 12, cap. "Institutum.")

Finalmente, antes de trazer à luz uma descoberta extremamente importante sobre a visão de Santo Agostinho sobre este ponto, volto a questionar: se houvesse outros pais além de Agostinho e Ambrósio para São Bernardo citar como autoridades para sua opinião, ele não os teria mencionado? Como disse antes, não consegui encontrar nenhum doutor que argumentasse a favor de um batismo no desejo durante os setecentos anos de Santo Agostinho a São Bernardo.  É verdade, porém, que padres e doutores, tanto no Oriente quanto no Ocidente, que falaram ou escreveram sobre a questão dos mártires não batizados, concederam uma exceção para a necessidade de receber o sacramento, mas nenhum, até onde pude descobrir, permitiu quaisquer outras exceções.

Testemunho de Três Teólogos

Antes de fornecer as retratações de Santo Agostinho, vou citar três teólogos modernos para demonstrar a falta de unanimidade entre os padres que levantaram a questão direta ou indiretamente sobre o batismo do desejo: os padres William A. Jurgens, Bernard Otten, S.J., e Karl Rahner, S.J.

Padre Jurgens: "Se não houvesse uma tradição constante nos Padres de que a mensagem evangélica de 'A menos que um homem nasça de novo... etc. é para ser tomado absolutamente, seria fácil dizer que Nosso Salvador simplesmente não achou por bem mencionar as exceções óbvias da ignorância invencível e da impossibilidade física.  Mas a tradição de fato está lá, e é provável que seja tão constante a ponto de constituir revelação." (Jurgens, A Fé dos Primeiros Padres, Vol. 3, pp. 14-15, nota 31, grifo meu)

Em seguida, o Rev. Bernard Otten, S.J., ex-professor de Teologia Dogmática e História do Dogma na Universidade de St. Louis, Missouri, em seu Manual de História do Dogma escreveu: "O batismo da água, embora ordinariamente necessário para a salvação, pode ser suprido pelo martírio e, sob certas condições, também pelo batismo do desejo.  O primeiro foi universalmente admitido, mas o segundo foi aparentemente negado por Crisóstomo e Cirilo de Jerusalém." (Vol. I, pg 351) O abade Jerônimo Theisen, O.S.B., em seu livro A Igreja Suprema e a Promessa de Salvação, afirma o mesmo de São Gregório Nazianzeno e acrescenta São Basílio como sendo contrário à especulação.

E, por fim, Rahner:

". . . temos que admitir... que o testemunho dos Padres, no que diz respeito à possibilidade de salvação para alguém fora da Igreja, é muito fraco.  Certamente mesmo a Igreja antiga sabia que a graça de Deus pode ser encontrada também fora da Igreja e mesmo antes da Fé.  Mas a visão de que tal graça divina pode conduzir o homem à sua salvação final sem levá-lo primeiro à Igreja visível, é algo, pelo menos, que encontrou muito pouca aprovação na Igreja antiga.  Pois, com referência às visões otimistas sobre a salvação dos catecúmenos encontradas em muitos dos Padres, deve-se notar que tal candidato ao batismo era considerado, em algum sentido ou outro, como já ‘Christianus’, e também que certos Padres, como Gregório Nazianzeno e Gregório de Nissa, negam completamente o poder justificador do amor ou do desejo de batismo. Por isso, será impossível falar de um consenso dogmático na Igreja primitiva sobre a possibilidade de salvação para os não batizados e, especialmente, para alguém que nem sequer é catecúmeno. De fato, mesmo Santo Agostinho, em seu último período (antipelagiano), já não mantinha a possibilidade de um batismo pelo desejo." (Rahner, Karl, Investigações Teológicas, Volume II, O Homem na Igreja, traduzido por Karl H. Kruger, pp.40, 41, 57)

Rahner também pode ter incluído outros entre os pais que negaram a possibilidade de salvação para o catecúmeno não batizado que morreu antes de receber o sacramento.

Testemunho Histórico: A Retratação de Santo Agostinho do Batismo do Desejo

Os trechos a seguir são retirados da obra de Fritz Hoffman, Das Kirchenbegrifft des hl Augustinus. (Conceito de Igreja de Santo Agostinho, Fritz Hoffmann, 2. Parte, 2. Capítulo, A relação do Corpo Místico de Cristo com a Igreja Católica Visível) Eles foram traduzidos do alemão pelo Dr. Leonard Maluf, S.S.L, S.T.D., que já foi tradutor de L'Osservatore Romano e agora traduz para uma revista bíblica chamada Dei Verbum.  O autor alemão usa essas passagens para demonstrar que, em seus escritos antipelagianos, Santo Agostinho se retratou de sua opinião anterior sobre a eficácia salvadora do batismo de desejo.  Deixarei o texto latino em itálico para aqueles que desejarem conferir a tradução em inglês do Dr. Maluf (entre parênteses) das citações latinas do Dr. Hoffman.

O Conceito da Igreja em Santo Agostinho, Fritz Hoffmann:

[p. 464, c] Contra os esforços dos pelagianos, e seus seguidores africanos, para localizar, e assim assegurar, a salvação dos seres humanos em sua livre escolha, os esforços de Agostinho foram cada vez mais no sentido de fundamentar a salvação e a certeza da salvação inteiramente em Deus e na mediação sacramental e salvadora da Igreja dada por Deus.  Assim como pertencer ao corpus Adão e, com isso, à massa damnata repousa sobre o fato objetivo do nascimento humano, assim também pertencer ao Corpus Christi repousa sobre a realidade não menos objetiva do renascimento sacramental operante gratia spirituali, quae data est per secundum hominem, qui est Christus (ago. ep. 187, 31) [sob a influência da graça espiritual que é dada através do segundo homem, que é Cristo.] O mestre eclesiástico estava convencido da vontade todo-poderosa de Deus para a salvação do homem, do caráter sobrenatural e de graça do cristianismo e da impotência de qualquer esforço ético que permaneça na esfera do puramente humano.

"Em nenhum lugar Agostinho poderia levar essa convicção a uma expressão mais forte do que no modo como ele ligou o renascimento, a justificação e a graça cristãos cada vez mais exclusivamente aos sinais sacramentais exteriores [p. 465] de salvação, assegurando assim contra toda inadequação humana.  Isso representa o ponto final de um desenvolvimento, que em um momento anterior já havia levado de uma ênfase excessiva no lado subjetivo da justificação, para uma ordenação igual de sacramento e conversão; e, finalmente, elevar o sacramento sobre a conversão.  A fim de excluir qualquer possibilidade de auto-redenção por parte dos seres humanos, Agostinho defendeu fortemente a indispensável necessidade de salvação dos dois sacramentos primários, o Batismo e a Eucaristia: Assim como para a era pré-cristã, a fé no mediador era necessária, também para a era cristã a recepção dos sacramentos da fé é necessária por uma necessidade de meios (necessitate medii). Sem esta recepção sacramental não há libertação do pecado original ou dos pecados pessoais: Animas non liberat sive ab originalibus sive a propriis peccatis nisi in ecclesia Christi baptismus Christi (de Nat. et orig. an. 1, 13, 16; cf. ibid. 4, 11, 16) [Só o batismo de Cristo, na Igreja de Cristo, liberta tanto do pecado original como dos pecados pessoais]. Quem nega essa necessidade esvazia a cruz de Cristo, cuja honra Agostinho deseja defender, de seu valor: Evacuatur autem (scil. crux Christi) si aliquo modo praeter illius sacramentum ad iustitiam vitamque aeternam pervenire posse dicatur (Aug. de nat. et grat. 7. 7). [Quem pensa que se pode chegar à justificação e à vida eterna de outra maneira que não seja através do sacramento da cruz de Cristo esvazia-a de valor]. 

"'Crucem Christi evacuare' e 'baptismum evacuare' significam, assim, uma e a mesma coisa para o professor eclesiástico: Gratiam Christi simul opugnante (scil. Manichaei et Pelagiani), baptismum eius simul evacuant carnem eius simul exhonorant (c. duas ep. Pel. 2, 2, 3) [Eles (os maniqueístas e os pelagianos) imediatamente assaltam a graça de Cristo, esvaziam seu batismo de valor e desonram sua carne.] O uso linguístico púnico expressa bem a necessidade absoluta do Batismo (imediatamente após o qual até mesmo crianças menores de idade recebiam regularmente a Eucaristia): "Em uma feliz virada de frase, os cristãos púnicos chamam o Batismo simplesmente de 'salvação' e o sacramento do Corpo de Cristo de 'vida'. De onde poderia vir isso senão de uma antiga, em minha opinião, até mesmo de uma tradição apostólica, segundo a qual os cristãos se apegam à crença de que fora do Batismo e da participação na mesa do Senhor nenhum ser humano pode alcançar nem o reino de Deus nem a salvação e a vida eterna" (Aug. de pecc. mer. et rem 1,  24, 34). 

"Para alguém que tinha uma visão tão estrita, até mesmo a doutrina do batismo do desejo já deve ter parecido escandalosa. [pág. 466] Agostinho não hesitou em retirar-se de sua opinião anterior sobre esse tema [ver pp. 381 e ss. do livro de Hoffman]. Mesmo sobre o bom ladrão, que ele havia pensado anteriormente como o exemplo clássico do batismo do desejo, ele agora prefere supor que o homem talvez tenha sido batizado, afinal, ou que sua morte possa ser vista como uma espécie de martírio. (Agosto. Retr. 2, 18 [Knöll 2, 44, 3]; de nat. et orig. an 1, 9, 11; 3, 9, 12) Assim, também, ele agora considera perdido até mesmo um bom catecúmeno que morre antes do Batismo, enquanto um homem mau, que (naturalmente não sem conversão interior) é batizado pouco antes da morte, é salvo: Quare iste adductus est a gubernatione Dei, ut baptizaretur; ille autem cum bene catechumenus vixerit, subita ruina mortuus est et ad baptismum non pervenit? Ille autem cum scelerate vixerit, cum luxuriosus, cum moechus, cum scenicus, cum venator aegrotavit, baptizatus est, discessit,... Peccatum in eo deletum est? Quaere merita! Non invenies nisi poenam. Quaere gratiam: O altitudo divitiarum! (De nat. et orig. an p. 27, 6) [Por que o segundo (o homem mau) foi levado pela providência divina a ser batizado, enquanto o primeiro morreu por súbita catástrofe, embora tenha vivido bem como catecúmeno, sem chegar ao batismo? (Por que é que) o homem mau, embora tivesse vivido a vida de vilão, embora exibisse as fraquezas do devasso, de um adúltero, de um artista de palco, de um caçador, foi batizado antes de morrer, ... e seus pecados foram dizimados? Se você está procurando o que as pessoas merecem corretamente, você encontrará apenas punição. Se procurais a graça: ó profundezas das riquezas de Deus...!]

"[Agostinho] [páginas 466-467] chegaria ao ponto de dizer que desde o tempo de Cristo não houve uma pessoa predestinada que não tenha recebido o batismo antes de sua morte: Absit enim, ut praedestinatus ad vitam sine sacramento mediatoris finire permittatur hanc vitam (Aug. c. Julianum. 5, 4, 14) [Pereça o pensamento de que uma pessoa predestinada à vida eterna poderia ser autorizada a terminar esta vida sem o sacramento do mediador]; querer supor que as pessoas que Deus predestinou, poderiam ser levadas pela morte antes de serem batizadas equivale a estabelecer um poder sobre Deus que o impede de realizar o que ele pretendia. An eos et ipse praedestinat baptizari et ipse quod praedestinavit non sinit fieri? (ago. de nat. et orig. an. 2, 9, 13). [É possível que o próprio (Deus) predestina as pessoas para serem batizadas e depois Ele mesmo não permita que aconteça o que predestinou?] Mas, também em outro sentido, o sacramentalismo exacerbado se mostra com Agostinho neste período: enquanto antes o perdão dos pecados aparece simplesmente como o efeito do Batismo, contra o estreitamento pelagiano do efeito batismal para a remissão dos pecados, ele agora também enfatiza a comunicação de novas forças vitais positivas que ele havia anteriormente atribuído aos esforços morais dos seres humanos apoiados pela graça,  sem trazê-los para a relação causal direta [p. 468] com o sacramento.  Agora é o próprio Batismo que dá ao discípulo a graça necessária para a luta vitoriosa contra a paixão, segundo de Gen. ad litt. 10, 14, 25." 

Pulando agora para o final da página 472, Hoffman conclui: "Restou assim demonstrado que a controvérsia pelagiana, que levou o professor eclesiástico a procurar uma base tão objetiva para a salvação quanto possível, levou Agostinho a um sacramentalismo estranho ao seu modo de pensar em sua juventude, e até mesmo em seu tempo como bispo, e isso foi capaz de fortalecê-lo ainda mais em sua crença na necessidade da Igreja visível para a salvação". 

Como afirmei no início, este artigo está focado na questão do batismo de desejo em suas origens.  Quanto ao batismo de sangue, Santo Agostinho continuou a acreditar, assim como São Cipriano, que um mártir não batizado foi direto para o céu.  Embora nem todos os pais da Igreja se identificassem com essa crença, não há nenhum que eu saiba que tenha escrito algo contrário a ela.  O batismo do desejo, por outro lado, deve sua gênese formal a Santo Agostinho, como fica claro na passagem já citada de seu Quarto Livro contra os donatistas: "Ao considerar o que, repetidas vezes, encontro [que] também a fé e a conversão do coração, se acontece que a falta de tempo impede a celebração do sacramento do batismo", pode compensar a falta de batismo.  O fato de ele se retratar dessa opinião retiraria a pedra fundamental do argumento da autoridade dos padres a respeito do batismo de desejo. 

Concepção na Justiça e Renascimento no Corpo de Cristo

Por fim, em outra carta, a um bispo Simplício, que escreveu contra os pelagianos, o grande Doutor africano comparou o desejo de um catecúmeno a uma certa concepção, aguardando o nascimento no sacramento: "Mas a graça da fé em alguns é tal que é insuficiente para obter o reino dos céus, como nos catecúmenos e no próprio Cornélio antes de ser incorporado à Igreja recebendo os sacramentos; em outros, a graça da fé é tal que os torna o corpo de Cristo e o santo templo de Deus. Como diz o Apóstolo: "Não sabeis que sois o santo templo de Deus" (1 Cor. 3:16); e também o próprio Senhor: 'Se um homem não nascer da água e do Espírito Santo, não entrará no reino dos céus'. Portanto, os primórdios da fé têm certa semelhança com as concepções, pois para alcançar a vida eterna não basta ser concebido, mas é preciso nascer.  E nada disso está sem a graça da misericórdia de Deus, porque quando as obras são boas, elas seguem essa graça, como foi dito, não a precedem". 

Santo Agostinho ensinou, como fica claro no epigrama deste artigo, que a providência de Deus cuidaria para que um catecúmeno justificado fosse batizado antes da morte.  Só Deus, em qualquer caso, sabe qual desses, com voto para batismo e contrição perfeita, Ele justificou.  A Igreja só pode assumir, como braço de Cristo, o Agente Principal no batismo, que todos precisam receber o sacramento para não apenas ter todo o pecado perdoado e abolido, mas para ser membro da Igreja, o Corpo de Cristo. Antecipando a tréplica de que não se perde ninguém que morra em estado de graça, permitam-me apenas afirmar que concordo. Não só que concordo, mas que me submeto a essa verdade como se fosse um dogma de Fé.  A Igreja, no entanto, permite aos fiéis a liberdade de crer que a providência de Deus fará com que toda pessoa que morre em estado de graça também seja batizada. Isso preserva o sentido literal do ensinamento de Cristo em João 3:5: "Amém, amém eu te digo: a menos que um homem nasça de novo da água e do Espírito Santo, ele não pode entrar no reino de Deus" e Seu mandato apostólico de pregar e batizar todas as nações em Marcos 16:15-16.

Resumo dos Pontos

Termino com este resumo:

1. Não encontrei nenhum padre da Igreja que ensinasse que havia uma tradição apostólica favorecendo uma eficácia salvífica de um batismo de desejo. Se alguém puder me fornecer citações indicando o contrário, corrigirei minha afirmação.

2. O elogio de Santo Ambrósio ao imperador Valentiniano morto é facilmente passível de outras interpretações que não o batismo do desejo.

3. Não há especulação sobre o batismo de desejo na escrita definitiva de Santo Ambrósio sobre os sacramentos, como em De Mysteriis.

4. São Gregório Nazianzeno, doutor oriental da Igreja, rejeitou explicitamente a ideia de um batismo no desejo.

5. Santo Agostinho foi o único pai da Igreja, que pude descobrir, a especular especificamente sobre a eficácia salvífica do batismo de desejo. Convido a correção se estiver errado.

6. Santo Agostinho retratou-se de sua posição anterior sobre este assunto em seus escritos antipelagianos posteriores.

7. Desde a época dos escritos antidonatistas de Santo Agostinho, na década de 390, até o século XII, não consegui encontrar nenhum doutor da Igreja que escrevesse a favor do batismo do desejo. São Bernardo de Claraval (1091-1153) foi o primeiro.  Mais uma vez, ficaria feliz em receber a correção.

8. São Bernardo usou as autoridades de Santo Agostinho e Ambrósio para sustentar sua posição.  Se ele tivesse mais informações sobre suas posições mais maduras ou mais definitivas sobre a necessidade absoluta do sacramento do batismo, então, creio que esse grande santo não teria citado nenhum dos "dois pilares" como uma autoridade favorável ao batismo de desejo. Além disso, se ele tivesse considerado a opinião como parte da tradição apostólica, teria qualificado seu apoio dizendo "com eles estou certo ou errado"?

Vimos que, em certos casos, a existência desse consentimento unânime pode ser inferida mesmo quando poucos escritores trataram do assunto, e devemos distinguir cuidadosamente entre o testemunho dos Padres à tradição que eles receberam, e seu julgamento como críticos, em pontos sobre os quais eles não receberam nenhuma tradição.  No primeiro caso, o seu consentimento unânime é decisivo; nesta última, é possível que críticas mais recentes tenham descoberto razões para adotar uma visão diferente. (pág. 223)